O relator do novo
Código da Mineração, deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), apresentou
informalmente, na tarde de ontem (26/8), um novo relatório preliminar
onde, sob a justificativa de simplificar e liberalizar os procedimentos
burocráticos relacionados à exploração minerária, aprofunda retrocessos
para o meio ambiente e os direitos de comunidades indígenas e
tradicionais (veja o relatório).
Os integrantes da
Comissão Especial da Câmara que analisa a proposta acordaram que o
parecer deverá ser apresentado formalmente no dia 22/9 e votado no dia
seguinte. É provável que algum deputado faça um pedido de “vistas”, o
que adiaria por mais alguns dias a votação, mas há dúvidas se o
Regimento da Câmara permite ou não a manobra. A crise política entre
Congresso e governo também torna incerta a data da votação.
Segundo Quintão, o novo
relatório foi elaborado junto com técnicos do Ministério de Minas e
Energia e teria apoio do Planalto. “O governo entendeu que o construímos
é adequado para manter o setor competitivo e atende também os pequenos
produtores, os garimpeiros”, afirmou o parlamentar. A assessoria da
Liderança do Governo na Câmara informou que ainda não tem uma posição
sobre o novo texto.
Uma das novidades do
relatório é a autorização explícita para que a mineração seja realizada
em Unidades de Conservação (UCs) de Uso Sustentável, como Florestas
Nacionais. De alto impacto ambiental, a mineração é incompatível com
essas áreas. O parecer mantém a concessão de superpoderes à futura
Agência Nacional de Mineração (que pretende instituir), inclusive o de
autorizar ou não outras atividades que possam “criar impedimento à
atividade de mineração”.
“Esse artigo é
inaceitável e impróprio. É um atalho para desrespeitar os direitos
difusos de toda a sociedade”, criticou o deputado Sarney Filho (PV-MA).
O texto cria o “relevante
interesse da mineração”. Na prática, se aprovada com dispositivos como
esses, a proposta implicará a primazia da mineração sobre outros
interesses individuais ou coletivos. Parlamentares e ambientalistas
consideram, por exemplo, que isso será um sério obstáculo à
oficialização de novas UCs, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas.
“Não concordamos com a
forma como vem sendo conduzida a comissão. Estão tratorando a tramitação
da proposta. Não aceitaram nenhum dos pontos que apresentamos na
discussão”, critica Jarbas Vieira, do Comitê Nacional em Defesa dos
Territórios Frente à Mineração, rede de dezenas de organizações da
sociedade civil e movimentos sociais, entre eles o ISA, que defende os
direitos das comunidades impactadas pela empresas do setor (leia mais).
O Comitê distribuiu, durante a reunião da comissão, a cartilha que
detalha o financiamento das campanhas eleitorais dos integrantes do
colegiado por parte de grandes empresas de mineração. Segundo a
publicação, dos quase R$ 5 milhões recebidos por Leonardo Quintão na
campanha de 2014, mais de 40% foram doados por empresas do setor.
O parlamentar foi alvo de representação na Mesa da Câmara e um mandado
de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa de seu
financiamento eleitoral. Nenhum dos dois foi à frente. Ambos foram
encaminhados por um conjunto de organizações da sociedade civil e
movimentos sociais, entre eles o ISA.
O inciso VIII do Art. 5º
do Código de Ética da Câmara afirma que fere o decoro parlamentar
“relatar matéria submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, de
interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído
para o financiamento de sua campanha eleitoral”.
Salvaguardas
O texto de Quintão também
ignora a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
ratificada pelo Brasil, que determina que comunidades indígenas e
tradicionais devem ser consultadas previamente sobre qualquer medida ou
empreendimento que afete seus territórios.
O deputado argumenta que
sua proposta não traz salvaguardas ambientais, sociais e trabalhistas
porque já há legislações específicas que as garantem. Ele também afirma
que o parecer assegura recursos para as comunidades afetadas por meio da
compensação que será destinada aos municípios que abrigam
empreendimentos de mineração.
A proposta do parlamentar
redistribui os recursos da Compensação Financeira sobre Produtos
Minerais (Cefem) entre os entes da Federação. “Estamos tirando recursos
da mineração para essas comunidades. Tivemos a coragem de peitar
prefeitos, estados e a União”, defende Quintão.
Sem explicitar e detalhar
formas de compensação e proteção socioambientais, no entanto, o
relatório não garante os direitos de populações específicas diretamente
atingidas. Para se ter uma ideia do problema, a proposta remete à
Agência Nacional de Mineração a atribuição de regulamentar o conceito de
“comunidades impactadas”, fundamental para estabelecer essas
compensações e restrições ambientais às atividades de mineração.
Por Oswaldo Braga
de Souza
do Instituto
Sociambiental
Publicado originalmente em: http://www.canalibase.org.br/relator-mineracao-retrocessos/