Foto: Portal Brasil. |
Desta vez o acampamento de retomada das famílias Guarani e Kaiowá foi
invadido por mais de 60 pistoleiros, que entraram realizando disparos e
ameaçando crianças, velhos, mulheres e homens. O novo ataque foi
realizado sobre o território sagrado de Ñanderú Marangatú, no local onde
se encontra a fazenda denominada Piquiri, sobreposta aos 9.300 hectares
de chão tradicional homologados pela Presidência da República.
Ainda com as cicatrizes e traumas do ataque anterior, em que Semião
Vilhalva, indígena de 24 anos, foi assassinado pelas milícias dos
ruralistas à beira de um córrego onde procurava seu filho, as famílias
relatam que apenas tiveram tempo de juntar alguns poucos pertences e
correr para o meio da mata, buscando segurança para não serem também
assassinadas.
Apavorados e revoltados, os indígenas denunciam a inoperância das
forças de segurança em garantir a vida e integridade de suas famílias.
Em mensagens enviadas por telefone indagam: “Eles não estavam aqui para
impedir o conflito? Para impedir massacre? Como, então, caminhonetes se
juntam em bandos, e eles entram, atiram, matam e eles não fazem nada
como se nem enxergassem isso? Eu vou dizer o que eles estão fazendo.
Esta Força Nacional está deixando os fazendeiros invadirem nosso
território e se apossarem das sedes, aí eles vêm e fazem cordão contra
nossa comunidade. Estão garantindo a devolução de nosso território para
os fazendeiros, e a DOF (Departamento de Operações de Fronteira), além
de acompanhar os jagunços, mesmo quando estão armados, agora ajuda a
levar comida para eles e abastecer os bandidos que mataram o Semião”,
desabafa, inconformada, uma das lideranças. Matérias jornalísticas
veiculadas ontem registraram o momento da entrega de alimentos, ao qual a liderança se refere.
Uma das poucas verdades advindas dos pronunciamentos ruralistas
até agora é de que a soberania nacional está ameaçada. Realmente está,
porém não pelas participações de “indígenas paraguaios”, como tentam
argumentar os ruralistas e seus sindicatos, mas sim pelas ações
milicianas e paramilitares dos próprios fazendeiros. Desrespeitando a
democracia e os direitos individuais e coletivos, essa “gente de bem”
decidiu deliberadamente abrir uma temporada de “caça aos índios”, e
promover reintegrações de posse à revelia da lei, com as próprias mãos.
Desse modo, investem, sobretudo, contra famílias indefesas, o que, além
de temerário e covarde, se constitui em crimes diversos e devem ser
punidos nos rigores da lei.
Enquanto isso, o governo – em especial o Ministério da Justiça –
assiste inerte a bandidagem de latifundiários sem tomar providências
efetivas de defesa dos povos indígenas e nem apontar algum tipo de
intervenção. Os indígenas denunciavam, desde o primeiro ataque, que o
clima continuava tenso e que não se sentiam seguros com as estratégias
de “segurança” adotadas pela Força Nacional que, segundo eles, estava
mais interessada em manter seguros os fazendeiros do que evitar novas
invasões milicianas pelo perímetro da terra indígena. O silêncio do
governo continuou: sequer lamentaram publicamente o assassinato de
Semião.
José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, em sua última declaração
voltada aos Guarani e Kaiowa, realizada em Brasília, no início deste
mês, afirmou que não “baixaria nenhuma portaria declaratória”
(procedimento demarcatório essencial e de sua responsabilidade) por
conta da conjuntura de alta violência e de “ataques de direitos” advinda
dos produtores rurais e da própria Justiça. Cardozo afirmava que não
poderia baixar as portarias porque teria plena consciência da violência
sofrida pelos indígenas. Afirmou, por fim, que não estaria disposto a
agir como um “Pôncio Pilatos” frente à crucificação de “Jesus Cristos
Kaiowás”. Pois bem, neste momento o ministro age exatamente como um
Pôncio Pilatos, assistindo ao acirramento da violência. Ao lavar suas
mãos da responsabilidade em garantir a segurança destas famílias,
Cardozo condenará quantos outros indígenas ao mesmo destino de Semião?
Os Guarani e Kaiowá, diante da dor da perda de sua liderança, exigem
que seja feita justiça. Exigem a punição imediata aos assassinos e
mandantes e intervenção do Ministério da Justiça para garantir a
segurança das famílias e coibir crimes e a continuidade do esbulho de
seus territórios. Enquanto houver silêncio e inércia das autoridades
responsáveis pela garantia da ordem e da justiça, a cada dia uma nova
lápide de indígena assassinado será erguida, pois a intenção de matar é
publicamente declarada por fazendeiros em reuniões e em depoimentos que
circulam nas redes sociais. Até quando, senhora presidente da República e
senhor ministro da Justiça, isso vai perdurar?
Por Comissão Pastoral da Terra
Via Blog Outras Palavras
Publicação anterior: http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=200035