Foto: Haitianos. Por Grazi Bezerra via Portal EBC. |
Muito se tem falado e escrito sobre a tragédia dos refugiados,
não só sírios, mas de muitos outros que, desde a demasiado, a
política europeia, na sua lógica geográfico-proteccionista, tem
coberto com as vestes de imigrantes ilegais.
Só o conceito de
“ilegais”, já me murcha e suscita serias comichões, quando
afinal estamos a falar de seres humanos. É me difícil compreender
como é que vidas podem ser resumidos a papeladas estrategicamente
viciadas para impedir a circulação de pessoas num mundo que
dissimuladamente vamos apelidando de “aldeia global”.
Diariamente são milhares de pessoas que ariscam as suas vidas no
mar a procura, quiçá, apenas e só, de uma nova esperança.
Guerras, catástrofes naturais, perseguições políticas e
étnico-raciais. São muitas as razões que pouco têm importado aos
líderes europeus; que insensivelmente vão conseguindo suspender as
suas humanidades.
Nos últimos tempos, como todos, tenho acompanhado a situação
dos refugiados pelas partilhas e inquietações de muitos, mas
sobretudo, dos amigos e mestres Fernando Casimiro e Rui Marques. E
naturalmente não me tenho conseguido manter indiferente, como
muitos, mesmo com esta crise política que assola a Guiné-Bissau e
que, confesso, muito me tem consumido.
Mas na verdade não deviam ser [só] as últimas imagens a nos
chocarem. Pelo menos a mim. Não são, propriamente, [só] as últimas
imagens que me chocam. Porque afinal não consigo suspender a minha
humanidade. Ela está e estará sempre presente nas minhas acções e
atitudes. Choca-me mais a falta de atitude dos que podem fazer alguma
coisa por essas vidas, mas não fazem. Choca-me mais a falta de
mudança de atitudes que nenhuma imagem, nenhuma tragédia consegue
provocar. Choca-me mais o trilho insano por que resvala uma
humanidade cada vez menos humana. Porque mortos em travessias,
marítimas e terrestres, temos visto imensos nos últimos anos.
Demasiados diria. Crianças e menos crianças, mas vida. Todas vidas!
Com uma Europa a achar que a melhor forma de resolver o problema é
evitar que os estilhaços cheguem aos seus territórios geográficos.
Por isso tem procurado manter vidas confinadas aos campos, nas
periferias das guerras e catástrofes. Sustentando-as com gêneros
alimentícios. Mesmo sabendo que assim ninguém vive. Apenas e só se
sobrevive. Dia após dia.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)
avançou que só este ano já são mais de 2.500 vidas perdidas no
Mediterrâneo. Mas para mim, podiam ser 1, 10, 100, 1000. São todas
vidas. O número aqui é mais uma imagem para chocar. Mas como disse,
mão deviam ser a imagens a nos chocarem. Mas sim a falta de atitudes
que possibilitem os salvamentos dessas vidas que diariamente se
perdem tentando encontrar esperanças.
Não adianta recuar a época do holocausto ou pós holocausto para
alegar uma tradição europeia para o acolhimento. Desculpem-me: é
treta! Mesmo nessa época sabemos hoje o que se passou, as barreiras
que se criaram e vidas que podiam ser salvas, mas que se perderam em
virtude dessas barreiras geográfico-proteccionistas. Sabemos hoje
que podia-se ter feito muito mais. Por isso, mas do que voltar ao
passado, é preciso pensar no agora! Na situação que se vive hoje,
nos nossos dias, e ver o que pode e deve ser feito. Não só em
relação aos refugiados sírios, mas em relação aos refugiados das
mais várias proveniências. Com as suas cores, crenças religiosas,
costumes e culturas. Porque afinal são pessoas, independentemente de
tudo o que os pode caracterizar e/ou identificar. As suas humanidades
não dependem daquilo que os caracteriza. É preciso que os que
possam e devem façam algo já. Mas que não seja algo que apenas e
só responde ao agora. Que se faça algo agora sim, mas procurando
uma resposta abrangente, continuada e sustentada no tempo.
Por Edson Incopté
Via Projeto Guiné-Bissau Contributo de Fernando Casimiro
Publicado originalmente em: http://www.didinho.org/nao-podemos-suspender-a-nossa-humanidade/